segunda-feira, 20 de setembro de 2010

PRIMAVERA

por Solange Sólon Borges

Quem falou de primavera sem ter visto o teu sorriso,
falou sem saber o que era...
Cecília Meireles


Ele faz perguntas intensas: você me amará sempre? Será minha? A primavera é a clara estação das músicas longínquas. As cigarras cantam arranjos rítmicos e nos achamos imortais nessa hora multicor... Quando é primavera, chove demais em mim e floresço, pois há jardins repletos de ternuras e juncais.

O que é o homem? O que é a mulher se não um sol de delicadezas cujos dons e sorrisos são a fluência da felicidade? Há sempre flores e estrelas a mais nas mãos do meu amado, pois sabe o quanto preciso sentir a vida pulsando transparente. Os teares da primavera tecem perfumes com fios arcaicos... Por isso, minha linguagem tem febres e flutuo em cítricos desejos.

Você me dá uma pequenina caixa de presente que desembrulharei depois, pois quero sentir o tremor da espera e da surpresa. Porque amor é hipnose. Sabe o quanto gosto dos objetos minúsculos que encerram mundos: “as estrelas não temem parecer vaga-lumes”, alertava Tagore. E passo então tardes inteiras desenhando brevidades e canteiros, pois plena de amor a tudo vejo com clarividência, inclusive os vaga-lumes.

A vida é mágica entre heras vigorosas. Tudo o que plantei brota nessa metáfora de mudança assombrosa: as flores saltam para a luz tecendo delicados bordados adejados por asas coloridas. Os girassóis se abrem por inteiro e posso respirar cores vibrantes e o cheiro da terra que sobe ávido após a chuva rápida que a tudo encharca. Meus desejos são caudalosos e nos reconhecemos por aromas e olhares, fundamentos que entregamos um ao outro para que não haja dúvidas e pontes. Os arredores ensolarados do seu corpo traçam retas seguras dentro do círculo perfeito onde me abrigo. Quero adormecer após o movimento cíclico das ondas do amor. E esse privilégio não é meu, é nosso.

Onde há o peso da vida — mar e rochedo — meu amado me dá leveza como ossos de borboleta. Fincamos plenas raízes.

quinta-feira, 22 de julho de 2010

AS CONFIGURAÇÕES DO FOGO

Por Solange Sólon Borges

As pétalas caem quando arde o fim do dia,
Quando submerge em meu corpo desnudo
Procurando a profundidade de si mesmo,
Quando crispa seus dedos e seus olhos
Como se aranhas ocultas o enredassem.

As pétalas caem delicadamente em seu dorso
Quando delira em pleno gozo.
As pétalas caem quando se resume ao que é:
Apenas um homem em busca de raízes e sementes.
Um anjo de asas partidas, incompleto, exigente,
Incontrolável porque tocam os ângelus,
Porque os campos parecem frios,
Mas seu corpo é incandescente.

As pétalas caem quando suas palavras
Estão imbuídas de sentimentos e pecados,
Porque o espírito límpido enfim se acalma
Em outra vida, em outra pele.

As pétalas caem para que tenha mais asas
E alcance seus sonhos com a intensidade necessária.
As pétalas caem para que se encontre
O que é belo e distante, o que parece fragilizado
Sob o Sol, mas que resiste.

As pétalas caem porque também se emocionam.
E a emoção é pura entrega.
O fogo consumido do fogo.
Hoje beijo seus olhos e derramo pétalas em seu dorso
Para que se torne alado,
Para que sinta a reverberação do amor e
A floração das rosas prostradas diante da primavera.

Enfeito-o de pétalas
Para que não se sinta deserto ou inocente,
Para que mereça o repouso
Depois de ter chegado
Ao ponto mais profundo do corpo,
O ponto mais próximo da alma.
São mistérios gozosos da natureza
Saber por que as pétalas caem,
Mas elas se entregam— totalmente nuas —
e não se consomem
em meio às chamas.

quarta-feira, 14 de julho de 2010

NÃO HÁ CIÊNCIA NEM LUZ NO AMOR

Por Solange Sólon Borges

É preciso algo de ordem ou de sonhos quando as luzes dos meus amores iluminam mil varandas e canteiros. É preciso ofertar esta rosa vermelha para girar a chama lenta do seu peito a exalar o perfume deste meu travo de alegria.

Minhas dores são cacto. Meus amores, cravo. E meu olho arde e vigia sua boca nua. Quero água e ervas, a língua repleta de palavras fáceis como a dos meninos inocentes que não temem a violência da sombra do meio-dia.

Veja esta rosa vermelha que lhe oferto, raízes expostas com seu repertório de pequenos espasmos de anjos que cantam noite adentro, saudando cada pétala com suas asas recolhidas.

Não há ciência nem luz no amor. Só esta rosa vermelha que tenta deter as liras da minha loucura que foge aos bandos levando minhas febres oceânicas e meu silêncio.

quarta-feira, 7 de julho de 2010

TEMPORAIS

Solange Sólon Borges

Há a vontade de transformar a quem se ama em eterno
Para que nada se macule ou degenere.
Mas a eternidade tem seu itinerário
E é outra a paisagem que nos habita:
Lagos tranqüilos e suas aves pernaltas em mergulhos bruscos
Sem medir a profundidade das águas.
Sei que não quero olhar só o espelho das águas
E imaginar seu sorriso que me sobressalta, apesar de natural.
Há a promessa de jamais deixar o outro olhar sozinho para o horizonte.
Mas o que é eterno e seguro? O ser que se ama adormece, como o rei,
Em sua condição precária e tangível.
Não, não o quero eterno, quero-o humano,
Com seus defeitos e dores,
Porque também me laceram como uma pedra arremessada ao lago
Gerando círculos concêntricos que não se sabe aonde param.
Uma hora esse universo de círculos inseguros que inventaram,
E suas marcas que nem sempre querem adormecer,
Também descansam.
São flexíveis.
Confesso: parece metafísica,
Mas aprendi a confiar em quem amo.

sexta-feira, 2 de julho de 2010

DESPRESENÇA

Solange Sólon Borges

“O existir de uma árvore é seu depoimento, o nosso seria alcançar o silêncio?”
(Adriana Lunardi)

Sua ausência é delito.
Tremo com a febre da despresença.
Eco em quarto surdo onde sempre se entrava.
Cama vaga e travesseiros a mais com arquitetura da dor concentrada.
Nos vimos tanto, nos sentimos tanto...
...por isso agora o estado da invisibilidade e da abstinência?
Onde o seu espírito que faz parte do meu ser que ruiu?
Ressacas furiosas derrotam a praia dos meus sonhos.
Labirintos.
Íntimos.

O sol se pôs diante da tempestade iminente.
Lágrimas brotam da língua estrangeira da saudade que é fratura.
Palavras de ruptura alteram a biografia e criam grossas paredes
abrigando as catedrais vazias em meus dias exagerados.
O rio que desconhece agora as direções.
Música que cala, voz que não fala.
Amanheço infértil quando sementes morrem em seus vasos.
Testamentos.

Há pessoas com talento para cicatrizes.
Conhecem a vocação para ferir.
O fim do amor é sempre dor...
...e morte...
...e turbilhão...
Qual punição merece quem rouba um sonho?
Quando muito se viveu, não se concede perdão.
Como ter minha vida de volta, quando o mundo segue seu normal movimento?
Tenho comigo detalhes e alguns talheres a menos à mesa.

Amor é claridade matinal.
Abissal.
Volúpia.
Fidelidade absoluta.
Marinhas. Aves do paraíso.
Ondas de prazeres e dor.

Nessa ilha secreta onde habito amplas paisagens,
sinto-me quase em ordem.
Amor deve ser exclusividade no banquete.
Vinho velho e muito tinto.

quarta-feira, 30 de junho de 2010

Quem sou eu


Jornalista, atua como assessora de imprensa e dedica-se a diversos gêneros literários - poesias, contos, histórias infantis e romance - tendo recebido diversos prêmios. Entre outras atividades, atuou no programa Prefácio, sobre livros e literatura, no Comunique-se, levado ao ar pela TV interativa ALL TV (2003/2004). Foi colunista do Literário do site Comunique-se ao longo de quatro anos. Apresentou, também, o breve Paisagem Feminina, pela Rádio Gazeta AM (1999), além de redigir crônicas na Rádio Bandeirantes AM e na Rádio Gazeta AM — emissoras das quais foi redatora, repórter, locutora e editora.